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quarta-feira, 4 de maio de 2011

Dispersão - Mário de Sá-Carneiro



Primeiro livro de poesias de Sá-Carneiro, poeta de dispersão interior, Dispersão revela logo no título a dificuldade de concentração, a pluralidade de opções com que o seu interior se confrontava, anunciando já o termo trágico que daria à sua vida. Contém 12 poemas e é a busca do ideal inacessível, o mundo de sonhos onde o poeta se sente bem:

Um pouco mais de sol eu era brasa.
Um pouco mais de azul – eu era além;
E o grande sonha despertado em bruma,
O grande sonha – ó dor! – quase vivido...

Dispersão e Além-Tédio são poemas significativos da tristeza, exprimem o tédio endurecido e a dor "de ser-quase" que o faz ter saudades da morte. A propósito dos poemas de Dispersão, o poeta não se integra no mundo, o que lhe causa por vezes um sofrimento de morte. Sá-Carneiro seria destruído pela sua poesia e em proveito dela.

O dualismo de Sá-Carneiro revela-se também através da oposição, antítese, na definição de si mesmo, na impossibilidade de reconciliação entre o poeta e o mundo, entre a alma e o corpo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
– Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse – ou homem ou mulher,
E não logro nunca possuir.

Eis a confissão de Ricardo a Lúcio explicitada no poema Como eu não possuo. Ricardo confessa ainda: estes desejos materiais (...) não julgue que os sinto na minha carne; sinto-os na minha alma. Está aqui bem nítida essa impossibilidade de reconciliação entre a alma e o corpo. Esta dicotomia integral conduzirá fatalmente à dispersão. Em Mário de Sá-Carneiro tudo é brumoso, difuso, velado, tosco, nevoento, tudo é tarde, crepúsculo, poente, fim de dia, noite, sombras, trevas, numa palavra mistério. Os próprios títulos indicam uma atmosfera nebulosa, mal definida:

Intersonho, Vontade de dormir, Dispersão, Quase, Alem- Tédio.

O primeiro poema de Dispersão, intitulado Partida, exprime o supra-eu do poeta, o seu ideal, a promessa de grandeza e do gênio que se sente em si. Já neste poema Sá-Carneiro toma consciência da dicotomia dispersiva do seu ser. Temos no poema:

Ao triunfo maior, avante pois!
O meu destino e outro – é alto e é raro.
Unicamente custa muito caro:
A tristeza de nunca sermos dois.

No livro Dispersão ainda se notam ressaibos de expressão simbolista. Contudo, é já um livro moderno pela atenção que da ao existencial. Verificamos ao longo do livro o desespero do poeta causado pela dicotomia de não conseguir alcançar o celeste, o divino, o ideal. Assim, a sua alma está nostálgica de além. Patente está também o desespero de não se adaptar à vida, porque um domingo é família, / É bem-estar, é singeleza,! E os que olham a beleza / Não têm bem-estar nem família. A busca e a dispersão de si mesmo são a linha de conduta de todo o livro. O poeta, num desabafo desesperante, diz: Perdi-me dentro de mim / Porque eu era labirinto, / E hoje, quando me sinto, / E com saudades de mim. A dor de não ser quase e o desejo de equilíbrio também estão presentes, assim como o narcisismo enternecido que por fim se transformara em desprezo e o levará a dizer: O pobre moço das ânsias... / Tu, sim, tu eras alguém! / E foi por isso também / Que te abismaste nas ânsias.

Na essência da sua poesia surge a busca do seu ideal de poeta, a renuncia que dele exige. Tudo constitui um mundo de dúvidas, de ânsias, de angustias. A poesia de Sá-Carneiro nasceu madura, na plena posse dos seus recursos.

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